É
perceptível uma ideia construída pela sociedade de que profissionais da
segurança pública pouco se sensibilizam com fatores sociais que levam o
indivíduo à criminalidade, o que seria observado em abordagens truculentas
quando se trata de pessoas de baixa classe social com um estereótipo específico.
A partir disso, relaciona-se a função do policial ao preconceito,
conservadorismo e autoritarismo, cobrando do profissional não apenas o combate
à criminalidade, mas também a promoção da justiça social.
É certo que a carreira policial atrai “lobos”
revestidos de “cães pastores”, por isso são necessárias reformas estruturantes
nas polícias visando valorizar os éticos desbravados, lapidar os iniciantes e
expelir os contaminadores – como a transferência do lema ‘hierarquia e
disciplina’ para “servir e proteger”, por exemplo – e sou um grande crítico
dessas questões, mas confundem a responsabilização da Segurança Pública à dos
departamentos de governo voltados ao combate à desigualdade social.
Certa
vez me perguntaram se existe relação entre preconceito e delinquência. Um
entendimento antecipado e distorcido sobre a personalidade e capacidade de uma
pessoa devido à sua crença, gênero, opção sexual, etnia, raça, cor, peso,
condição social, ou alguma patologia, pode gerar consequências variadas, mas
penso que a delinquência é causada principalmente por uma conjuntura de fatores
sociais, como família insólita, desigualdade, baixa renda, falta de acesso à
educação e ao esporte, infraestrutura precária, dentre outros. E tais fatores
devem ser corrigidos pelo Estado, mas não são função da polícia.
As
instituições policiais atuam na prevenção e na elucidação de delitos, e o
sistema penitenciário na punição e reabilitação dos autores. Para auxilia-los,
esses órgãos têm seus setores de Inteligência, responsáveis por criarem
conhecimento criminal para respaldar a tomada de decisão do superior, que, no
âmbito estratégico, são os chefes do Executivo federal e estadual, assim como
os ministros e secretários. Em outras palavras, geram estatísticas que reúnem
características dos agentes dos crimes, como local de atuação, ferramentas
utilizadas, comportamentos, vestimentas, intelecto, condição social, raça e
cor, dentre outros. E, após tratar e analisar os dados brutos, definem um perfil,
um padrão, um modus operandi para cada grupo de crime.
Essas informações de Inteligência oferecem
subsidio também para os cidadãos se atentarem no dia-a-dia e para os agentes da
ponta realizarem seu trabalho de forma direcionada. Por exemplo, os delitos
violentos, como os que atentam ao patrimônio e à vida, são cometidos em boa
parte por pessoas de locais de pouca infraestrutura, renda baixa, com um certo
estereótipo (tatuagens de carpa, palhaço, santos; apetrechos pelo corpo;
cabelos exóticos; em carros rebaixados com xênon e som alto; etc), portando
arma de fogo ou faca. Devido às atribuições, a PM e a PC têm maior contato com
esse tipo de meliante. Por outro lado, os crimes de colarinho branco, como
corrupção, desvio de recursos e lavagem de dinheiro, são cometidos em boa parte
por pessoas de condomínio de luxo, renda alta, com um certo estereótipo (terno
e gravata; cabelo sistematicamente penteado; em carros importados; etc),
“portando” apenas um computador e uma prerrogativa. Nestes casos, a PF tem
maior contato com os meliantes.
Dito isso, se um cidadão voltando do trabalho
00h por uma rua escura avista pessoas com o perfil relacionado a crimes
violentos e resolve mudar o itinerário, não é preconceito, mas precaução. Da
mesma forma, se um policial militar aborda mais incisivamente indivíduos
num bairro periférico com o estereótipo relacionado a crimes violentos após a
ocorrência de um roubo nas redondezas, não é mera rotulação, mas sim pesquisas da
mancha criminal da região que demonstram que são pessoas nessas circunstâncias
que praticam crime contra o patrimônio.
Além
disso, numa situação suspeita na qual o policial não age e, consequentemente, o
crime se consuma, a mesma sociedade que o hostilizaria por ser “preconceituoso”
no ato é quem cobrará a ação preventiva que teria que ter sido tomada para
evitar o delito.
Infelizmente
quem sofre muito com esses julgamentos são os policiais militares e civis, que
atuam mais nos crimes violentos e, pela maior parte dos autores desses crimes
serem negros e pobres, eles recebem o ônus do título de preconceituosos. Ademais,
condescendentes desse tipo de criminoso amenizam seus feitos com base nas
condições ruins que tiveram quando criança ou adolescente. Já a Polícia
Federal, quando atua nos crimes de colarinho branco, não precisa agir com muita
veemência física - afinal, não é crime violento - o que lhe faz automaticamente
está em cumprimento aos Direitos Humanos, e ainda têm todo o apoio da
sociedade, porque esse tipo de crime dificilmente é relativizado por alguém.
Obviamente,
esses cenários não são os únicos para essas instituições policiais, visto que a
PF também atua em crimes violentos e as PCs também atuam em crimes de
corrupção. Todavia, este artigo teve como base uma concepção popular que muitas
vezes é reflexo comum das principais atuações de cada instituição de segurança
pública e dos padrões de incidências verificados pela Inteligência Policial, o
que desconstrói a estereotipação deliberada da postura de policiais para com os
seus alvos.
Portanto,
o levantamento histórico das ocorrências de delitos permite construir
estatísticas essenciais para o combate à criminalidade. Caso se ignore isso,
perde-se o caminho basilar das ações policiais: a suspeita, que leva aos
indícios, que levam às provas, que são imprescindíveis para a promoção da
justiça no estado Democrático de Direito. E que as políticas públicas tão
essenciais para mudar os números das análises de inteligência policial sejam
cobradas dos responsáveis por tal, não da classe policial.
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