Está
em andamento um concurso público para provimento de cargos policiais na Polícia
Federal. Como se sabe, o que é cobrado no certame está intimamente ligado às
exigências intelectuais, físicas, psicológicas e sociais para o exercício do
cargo. E quem define isso junto com a banca organizadora é a cúpula do órgão,
principalmente a DGP-Diretoria de Gestão Pessoal, chefiada por um Delegado de Polícia,
assim como a maioria dos cargos de chefia.
Tem
causado polêmica a tendência de se cobrar menos Direito e mais matérias como
Estatística, Tecnologia da Informação, Raciocínio Lógico, Economia e
Contabilidade nos últimos concursos, principalmente para o cargo de Agente de
Polícia. Qual seria a intenção dos representantes do órgão que acompanham a
licitação e instruem as ações do realizador do certame (CESPE)? Sucatear o
conhecimento do Direito no âmbito dos cargos de Agente e Escrivão ou
potencializar as áreas relevantes para investigações complexas?
Na
minha análise, é evidente que o conflito de classes existente no órgão nos
últimos oito anos é o principal aspecto da questão. Paira no ar a sensação de
restringir o conhecimento jurídico ao cargo de Delegado de Polícia, para que os
outros cargos fiquem refém do pouco conhecimento jurídico exigido na atividade
policial. Afinal, está cada vez mais difícil sustentar a efetiva importância do
cargo diante do debate dos modernos modelos de polícia, principalmente no que
diz respeito à eficiência da apuração criminal. Além disso, creio que Direito é
um ramo do conhecimento mais simples de se absorver que Estatística e
Tecnologia da Informação, por exemplo, pelo menos no nível de exigência
policial, o que não é profundo como na Procuradoria, Defensoria e Judiciário.
Para
constatação, basta analisar a instauração ou um relato de um Inquérito
Policial, ou uma representação por Busca e Apreensão ou Interceptação.
Apresenta-se muito mais o resumo dos fatos coletados pelo Agente do que a
tipificação penal, amparos legais e fatos jurídicos esmiuçados (considerando
concurso de crimes, concurso de pessoas, erro de tipo, dentre outros). E estes
muitas vezes são ignorados pela promotoria ou, quando bem elaborados, copiados.
Não obstante, a doutrina da Academia de Polícia vem sendo no sentido de considerar
o IPL uma peça indispensável ao processo penal e “autoridade policial” como
sendo apenas Delegado de Polícia. Ou seja, por um lado cobra-se pouco do ramo
jurídico no concurso público; por outro, injeta-se a partir da ANP uma
perspectiva interna do órgão sobre sua relevância jurídica.
Outra
questão é que os Agentes e Escrivães formados em Direito, além de obterem os
variados conhecimentos cobrados em seus concursos, como Orçamento Público,
Contabilidade, Economia, Raciocínio Lógico e Arquivologia, são também
politizados e juridicamente informados. Boa parte representa os Sindicatos
estaduais e pleiteiam reestruturação na segurança pública. Isto é, utilizam
mais o conhecimento jurídico em debates classistas do que propriamente em
investigações, já que nestas fica claro que a multidisciplinariedade é o
primordial. Sendo assim, torna-se mais interessante para o comando do órgão,
que tem base jurídica, abafar o Direito nos demais cargos, que alimenta os
conflitos classistas e, simultaneamente, fortalecer as outras áreas.
De
fato, ao contrário de muitos colegas e concursandos, acho importantíssimo para
o exercício do cargo dar um foco em TI e Estatística. Tecnologia da Informação ajuda muito na
utilização de equipamentos, manuseio de programas, busca de extrato de dados,
alimentação de banco de dados, dentre outros. E Estatística é muito importante
para a produção robusta de relatórios, com cruzamento de dados, confronto de
imagens com diálogos, constituição do dado negado e elaboração da informação inédita
sobre um fato criminoso. Dessa forma, surgem boas provas; afinal, é o material
probatório que irá condenar o criminoso. O Raciocínio Lógico unido a essas
habilidades faz não apenas o policial pensar a investigação, mas também
materializar as conjunturas arquitetadas em suas mentes. Esta é a finalidade da
polícia investigativa: coletar provas sobre o fato criminoso; e não
necessariamente categorizar o crime cometido.
E
a Tecnologia é o principal meio para o atingimento desse objetivo. As polícias
brasileiras, principalmente judiciárias, em conjunto com agências de
inteligência, deveriam evoluir no setor estratégico de formação em Tecnologia
pesada, de Pesquisa e Desenvolvimento, ao ponto de elaborar técnicas inovadoras
de acesso às informações de criminosos, como as que tramitam em aplicativos,
por exemplo. Unindo tal engajamento, é claro, com lobbys para flexibilização
legal da Inteligência Policial. Porém, o que mais se vê são cursos de pós
graduação e mestrado para formação jurídica.
Cursos de investigação são voltados para o conhecimento de leis, e não
para as técnicas capazes de apurar as ações que compõem o crime ao serem moldadas
conjuntamente.
Ora,
a principal diferença da polícia é a tecnologia utilizada na construção de
provas, e não o conhecimento jurídico para avaliar as provas coletadas. Este é
da alçada do Ministério Público. Vejamos. Qualquer um pode levantar provas,
pois o IPL é simplesmente um instrumento a mais para isso. Mas o que faz a
polícia coletar mais e melhores provas que um detetive particular, um analista
do MP, ou um denunciante topetudo que busca informações do crime para
apresentar a notícia-crime já com um dossiê pronto? É justamente a Tecnologia
adstrita à polícia. É claro, parte é da prerrogativa, principalmente no que diz
respeito às técnicas criminais aplicadas com base em autorização judicial, mas
o que torna eficiente é a Tecnologia.
Portanto,
em um cenário no qual a modernidade se expande também para o mal, como a
utilização de vários aplicativos por organizações criminosas, e o enraizamento
das garantias constitucionais do nosso Estado Democrático, a polícia deve
aperfeiçoar a coleta de informações e produção de provas. Acabou-se o tempo só
de flagrantes, no qual o policial era um indivíduo bruto, xucro, do pé na
porta, esperando que alguém detentor do conhecimento legal o diga o que pode ou
não fazer.
Contudo,
o aumento da exigência de habilidades tecnológicas e sensoriais não deve estar
relacionada à diminuição da exigência do Direito, porque isso transforma os
policiais em mero analistas de informações, sem às vezes a segurança de agirem
por si só, de realizarem flagrantes, dentre outras medidas. Regrediríamos para
o cenário arcaico que tem sido superado: “Dr. Delegado, posso fazer isso?”. O
congregado do conhecimento de análise com o que realmente se precisa saber do
Direito no âmbito investigativo torna o policial completo, capaz de coletar
fatos; realizar vigilâncias; fazer análises de comunicações, extratos de
localizações, transações financeiras, materiais apreendidos; e também abordar,
decidir por um flagrante ou solicitar medidas cautelares. Fatiar o conhecimento
investigativo é alimentar a criminalidade.
É
esse conglomerado de conhecimentos que deveria ser cobrado para entrar num
cargo único, por exemplo. É isso que eu, formado em Administração, defendo. A
formação do policial completo, com amplo conhecimento para exaurir as técnicas
criminais e, ao tomar posse, possa de fato investigar em sua integralidade. Em
outras palavras, a prospecção para a modernização é um caminho sem volta, consequência
da exigência de nível superior; do intercâmbio com polícias investigativas como
a chilena, estadunidense, inglesa e outras; e do anseio da população pela
reestruturação e eficiência da segurança pública no Brasil. Para quem está de
fora pode até parecer teoria da conspiração, mas, caso não seja, reduzir
conhecimento jurídico dos outros cargos será mais uma estratégia falida.
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