7 de abril de 2018

Dicotomia do Esforço - Concurseiros e Servidores

Apesar dos exemplos relacionados à esfera policial, 
este texto refere-se aos processos de Estado como um todo.

As atividades criminosas configuram articulações dinâmicas de interesses pessoais dos diversos agentes do crime. Por isso, para combate-las com efetividade, é preciso que também haja um raciocínio dinâmico e integrado dos principais membros que promovem a Justiça. O mesmo é necessário para atender demandas de cidadãos em qualquer repartição pública. Contudo, não é isso que se vê na maior parte dos casos.
Conceitua-se análise integrada como a capacidade de correlacionar dados esparsos para gerar um conhecimento novo, materializando essa construção em gráficos, vinculação de fatos, confronto de depoimentos e acontecimentos, avaliação histórica, imagens e outros. Na investigação criminal, isso é essencial não apenas para construir provas contra alguém, mas para encontrar alternativas processuais. Por exemplo, a instrução criminal exige um Inquérito Policial para o crime e seus indícios de autoria; contudo, há casos de indivíduos que cometem diversos crimes que não têm relação um com o outro. Frente a isso, se não houver um compromisso com a análise integrada, haverá procedimentos esparsos numa delegacia de polícia contra um mesmo indivíduo.
Além da burocracia que permeia o setor público, há que se falar da baixa predisposição e ausência de habilidade prática dos próprios servidores. Contraditoriamente, a falta deste quesito é inerente à exigência de estudo mecanizado imposto pelo concurso público, na qual o candidato é preciso submeter para obter a aprovação, demonstrando uma dicotomia da postura manifestada pelo indivíduo como concurseiro e como servidor.
Para destrinchar a problemática, colocarei uma experiência pessoal. Modéstia à parte, eu desenvolvo o meu trabalho como muitos não desenvolvem, mas eu não seria aprovado em muitos concursos que eles seriam. Não que eu não conseguiria, mas seria mais custoso, porque eu aplico análise integrada, raciocínio lógico, correlações de fatos e confronto de fontes como em pesquisas científicas com certa facilidade, mas tenho dificuldade de absorver conceitos, regras, leis e fórmulas prontas como são cobrados em concursos públicos. Percebe-se que a regra é o contrário, o que, ao meu ver, prejudica o resultado dos processos.
Em debate com um colega, ele disse: “o problema não está em você, mas no que é cobrado nos processos seletivos!” De fato, não sou pedagogo e não sei se estou errado, mas vestibulares e concursos não exigem capacidade de análise e pesquisa, mas sim regramentos e conceitos fragmentados. É por isso que o Brasil é fraco em desenvolvimento, tecnologia, falando sobre mercado; e fracassado na efetividade dos serviços públicos, falando de Estado. A máquina pública funciona por ela, e não pelas pessoas.
Outrossim, há no ambiente universitário a máxima de que dificilmente o “nerd” será o profissional de maior sucesso no mercado de trabalho. Atribuo isso ao fato de a inciativa privada exigir atributos como análise integrada, senso crítico, liderança, proatividade, empenho, tomada de decisão, empreendedorismo, para alavancar o profissional na carreira. Isso é totalmente ignorado no setor público, pois, quando não se esbarra nas indicações políticas e subjetivas, esbarra-se no concurso público de cargo superior.
Diante deste último, o servidor, para crescer na carreira, não pode direcionar seus esforços para o resultado e aprimoramento no trabalho, mas sim destoá-los para um novo projeto: ser aprovado em um concurso de cargo superior. Não raro, servidores públicos se encostam no trabalho ou até mesmo estudam nas repartições públicas para poderem se tornar chefes daqueles que exercem o trabalho com afinco, enaltecendo o nome do órgão, e ficando travados na carreira pelo concurso público de cargo superior.
É possível que estas sejam a causa de pessoas inteligentíssimas que compõem os quadros dos órgãos públicos serem tão inatuantes. Aparentemente, após inserir-se no setor público, toda a exigência do processo seletivo deixa de ser explorada pelos superiores, pela estrutura e pela própria pessoa. O concurso torna-se o fim, e não o início. O indivíduo estudava 10h por dia, mas não permanece 4h por dia na repartição pública. Não encara o serviço público como um desafio de mudança, afinal, a estrutura do Estado é gigantesca e conforme a Lei, tornando-se de difícil alteração. Na minha repartição, por exemplo, há um procedimento que pode ser feito em 10min e, ainda assim, exige-se 48h para ser entregue ao cidadão, e as pessoas aceitam simplesmente porque esse é o procedimento. Não! Tá errado. Temos que pensar, criticar, questionar, refletir.
Ademais, poucas pessoas assumem demandas complexas ou criam algo novo. Os papeis com informações simplórias, despachos, ofícios, remessas de solicitações e consequentes escusas, justificativas de falta de aparelhamento, declínio de atribuição, transitoriedade entre os órgãos, é o que pairam. Sem dinâmica, robustez, pensamento integrado, articulação ou acordo.  Apenas autos e procedimentos, como Inquéritos Policiais de 50 páginas sem informações sólidas sobre o crime, em processos penais de 7 anos, sem que ninguem se incomode com isso. A maioria das pessoas absorve fácil o conteúdo que chega a ela, mas é incapaz de apresentar um conteúdo novo para alguém – seja investigativo, processual, fiscalizatório, ostensivo ou administrativo – mesmo após aprovação em um concurso público difícil.
Esse cenário leva a pensar que qualquer comparação que se faça entre o salário e o resultado do trabalho da maioria dos servidores públicos é injusto. Injusto para o cidadão. É muito dinheiro para pouca complexidade e pouca solução, principalmente no que diz respeito à apuração de crime. Frequentemente, indago-me “Como esse indivíduo passou no concurso?”, “O indivíduo recebe R$30.000 para isso?”. Depois, volto atrás e percebo que a pessoa tem conhecimento para ser aprovada, mas trabalho é outra história. Logo, não há relação direta entre esses fatores; pelo contrário.
Talvez seja impossível avaliar essas habilidades em concurso público. Talvez a falta de capacidade prática é ocasionada pela ausência de incentivo, mecanismos de cobrança e ascensão de carreira para injetar essa preocupação nos servidores. Talvez também a análise integrada é desenvolvida pelo envolvimento com o trabalho, a paixão, a proatividade, o engajamento, e até mesmo a oportunidade. Talvez encostar-se na estabilidade seja da natureza humana. Enfim, não sei se é pessoal ou estrutural, mas sei que falta algo. E, por faltar, sinto que a estrutura do setor público não permite que eu contribua com a sociedade como eu poderia. Isso é triste!


3 comentários:

  1. É bom saber que existem pessoas dentro dos setores públicos que procuram dar o melhor possível para a sociedade como você, mas realmente triste saber que são a minoria e que encontram tanta dificuldade dentro da estrutura em que estão inseridas. Concordo que uma das grandes causas do perfil do servidor público realmente seja o processo seletivo. A deficiência no processo não vale só para entrar na carreira pública, para tirar uma carteira de habilitação, por exemplo, a pessoa tem que se transformar em um robô, aí o que mais tem é gente que sabe dirigir levando pau e gente que não tem preparo nenhum tirando a CNH. Outro exemplo é para se tornar professor de ensino superior, e isso vale até nas instituições privadas: ter mestrado e doutorado é quase que requisito indispensável. Esses títulos valem mais que a experiência no Mercado.
    Enfim, espero que a ideia se espalhe e o legislativo façam leis para tornar o serviço público mais eficiente.

    Felipe Araújo

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    1. Fala, meu querido. Bela colocação e obrigado pelo comentário. Pensamos igual nisso e coaduno com os exemplos da carteira de habilitação e das habilidades de professor. Grande abraço!

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