Apesar dos exemplos relacionados à esfera policial,
este texto refere-se aos processos de Estado como um todo.
As atividades criminosas configuram
articulações dinâmicas de interesses pessoais dos diversos agentes do crime.
Por isso, para combate-las com efetividade, é preciso que também haja um
raciocínio dinâmico e integrado dos principais membros que promovem a Justiça. O mesmo é necessário para atender demandas de cidadãos em qualquer repartição pública. Contudo,
não é isso que se vê na maior parte dos casos.
Conceitua-se análise integrada como a
capacidade de correlacionar dados esparsos para gerar um conhecimento novo,
materializando essa construção em gráficos, vinculação de fatos, confronto de
depoimentos e acontecimentos, avaliação histórica, imagens e outros. Na investigação criminal, isso
é essencial não apenas para construir provas contra alguém, mas para encontrar
alternativas processuais. Por exemplo, a instrução criminal exige um Inquérito
Policial para o crime e seus indícios de autoria; contudo, há casos de
indivíduos que cometem diversos crimes que não têm relação um com o outro.
Frente a isso, se não houver um compromisso com a análise integrada, haverá
procedimentos esparsos numa delegacia de polícia contra um mesmo indivíduo.
Além da burocracia que permeia o setor público, há que se falar da baixa predisposição e ausência de habilidade prática dos próprios servidores. Contraditoriamente, a falta deste quesito é inerente à exigência de estudo mecanizado imposto pelo
concurso público, na qual o candidato é preciso submeter para obter a
aprovação, demonstrando uma dicotomia da postura manifestada pelo indivíduo como concurseiro e como servidor.
Para destrinchar a problemática, colocarei
uma experiência pessoal. Modéstia à parte, eu desenvolvo o meu trabalho como
muitos não desenvolvem, mas eu não seria aprovado em muitos concursos que eles
seriam. Não que eu não conseguiria, mas seria mais custoso, porque eu aplico
análise integrada, raciocínio lógico, correlações de fatos e confronto de
fontes como em pesquisas científicas com certa facilidade, mas tenho
dificuldade de absorver conceitos, regras, leis e fórmulas prontas como são
cobrados em concursos públicos. Percebe-se que a regra é o contrário, o que, ao meu ver, prejudica o resultado dos processos.
Em debate com um colega, ele disse: “o problema
não está em você, mas no que é cobrado nos processos seletivos!” De fato, não
sou pedagogo e não sei se estou errado, mas vestibulares e concursos não exigem
capacidade de análise e pesquisa, mas sim regramentos e conceitos fragmentados.
É por isso que o Brasil é fraco em desenvolvimento, tecnologia, falando sobre
mercado; e fracassado na efetividade dos serviços públicos, falando de Estado.
A máquina pública funciona por ela, e não pelas pessoas.
Outrossim, há no ambiente universitário a
máxima de que dificilmente o “nerd”
será o profissional de maior sucesso no mercado de trabalho. Atribuo isso ao
fato de a inciativa privada exigir atributos como análise integrada, senso
crítico, liderança, proatividade, empenho, tomada de decisão, empreendedorismo,
para alavancar o profissional na carreira. Isso é totalmente ignorado no setor
público, pois, quando não se esbarra nas indicações políticas e subjetivas,
esbarra-se no concurso público de cargo superior.
Diante deste último, o servidor, para crescer
na carreira, não pode direcionar seus esforços para o resultado e aprimoramento
no trabalho, mas sim destoá-los para um novo projeto: ser aprovado em um
concurso de cargo superior. Não raro, servidores públicos se encostam no
trabalho ou até mesmo estudam nas repartições públicas para poderem se tornar
chefes daqueles que exercem o trabalho com afinco, enaltecendo o nome do órgão,
e ficando travados na carreira pelo concurso público de cargo superior.
É possível que estas sejam a causa de pessoas
inteligentíssimas que compõem os quadros dos órgãos públicos serem tão inatuantes.
Aparentemente, após inserir-se no setor público, toda a exigência do processo
seletivo deixa de ser explorada pelos superiores, pela estrutura e pela própria
pessoa. O concurso torna-se o fim, e não o início. O indivíduo estudava 10h por
dia, mas não permanece 4h por dia na repartição pública. Não encara o serviço
público como um desafio de mudança, afinal, a estrutura do Estado é gigantesca
e conforme a Lei, tornando-se de difícil alteração. Na minha repartição, por
exemplo, há um procedimento que pode ser feito em 10min e, ainda assim,
exige-se 48h para ser entregue ao cidadão, e as pessoas aceitam simplesmente
porque esse é o procedimento. Não! Tá errado. Temos que pensar, criticar, questionar,
refletir.
Ademais, poucas pessoas assumem demandas
complexas ou criam algo novo. Os papeis com informações simplórias, despachos,
ofícios, remessas de solicitações e consequentes escusas, justificativas de
falta de aparelhamento, declínio de atribuição, transitoriedade entre os
órgãos, é o que pairam. Sem dinâmica, robustez, pensamento integrado,
articulação ou acordo. Apenas autos e
procedimentos, como Inquéritos Policiais de 50 páginas sem informações sólidas sobre o crime, em processos penais de 7 anos, sem que ninguem se incomode com isso. A maioria das pessoas absorve fácil o conteúdo que chega a ela, mas
é incapaz de apresentar um conteúdo novo para alguém – seja investigativo,
processual, fiscalizatório, ostensivo ou administrativo – mesmo após aprovação
em um concurso público difícil.
Esse cenário leva a pensar que qualquer
comparação que se faça entre o salário e o resultado do trabalho da maioria dos
servidores públicos é injusto. Injusto para o cidadão. É muito dinheiro para
pouca complexidade e pouca solução, principalmente no que diz respeito à
apuração de crime. Frequentemente, indago-me “Como esse indivíduo passou no
concurso?”, “O indivíduo recebe R$30.000 para isso?”. Depois, volto atrás e
percebo que a pessoa tem conhecimento para ser aprovada, mas trabalho é outra
história. Logo, não há relação direta entre esses fatores; pelo contrário.
Talvez seja impossível avaliar essas
habilidades em concurso público. Talvez a falta de capacidade prática é
ocasionada pela ausência de incentivo, mecanismos de cobrança e ascensão de
carreira para injetar essa preocupação nos servidores. Talvez também a análise
integrada é desenvolvida pelo envolvimento com o trabalho, a paixão, a
proatividade, o engajamento, e até mesmo a oportunidade. Talvez encostar-se na
estabilidade seja da natureza humana. Enfim, não sei se é pessoal ou
estrutural, mas sei que falta algo. E, por faltar, sinto que a estrutura do setor
público não permite que eu contribua com a sociedade como eu poderia. Isso é
triste!