Conflito Agrário e Pistolagem
Profissionais engajados na
promoção da justiça no interior do Pará se deparam com muitos percalços. A
distância da família, dos grandes centros urbanos do país, e da cultura da
cidade natal não são um sofrimento maior que a frustação de não conseguir
realizar mudanças significativas em uma região abandonada pelo Poder Público.
O Conflito Agrário e a
Pistolagem são dois dos maiores problemas que assolam a região. Além da articulação
com classes dominantes e influência em órgãos públicos, os coronéis contam também
com uma grande lacuna na lei e com um poder de fogo difícil de ser inibido
devido à vegetação e dificuldade de acesso às áreas.
Primeiramente, os grileiros
e fazendeiros acreditam veementemente que ilegalidades por ventura cometidas
por eles são apenas de responsabilidade do Governo Federal, que não cumpriu as
promessas oferecidas no povoamento dessas terras longínquas. De fato, as
atividades ilegais se desenvolveram à medida que pessoas do Sul e Sudeste
chegaram e não viram a estrutura prometida para realizar a pecuária, extração,
minério, dentre outras.
Numa tentativa de conserto,
diversas concessões de alienação de terras públicas, os chamados CATP’s, foram
suspensos de forma não planejada e as áreas foram redistribuídas para pessoas
desalojadas, sem moradia. Tal fato gerou, por exemplo, os assentamentos do
INCRA, que ameaça a propriedade daqueles que ocuparam a região outrora.
Simploriamente, isso provocou
o Conflito Agrário em diversas regiões do Estado do Pará. Percebe-se que a
atuação policial torna-se difícil nesses casos, pois se tratam de conflito
possessório, no âmbito cível, limitando ações criminais. Quando se chega no
âmbito policial, geralmente se refere a cumprimento de mandados judiciais para
reintegração de posse. Infelizmente, convenci-me que isso apenas será resolvido
com iniciativa de órgãos públicos, como o INCRA, e trâmites judiciais, uma vez
que a aplicação do Art.20 da Lei 4.947, que trata da Reforma Agrária e Invasão
de Terras, torna-se inaplicável, embora seja uma brecha legal que permita a
atuação policial em impasses cíveis.
Contudo, a crença de que as
terras pertencem a eles unida ao domínio do poder econômico da região faz com
que fazendeiros se vejam no direito de zelar pelas terras que, muitas vezes,
são Terras Públicas Federais que foram objetos de grilagem. Isto é, a ação de
estender sua área à alheia e falsificar documentos públicos para ocultar o ato
ilegal. E, para defenderem sua “propriedade”, armam pessoas e as colocam de
vigília na entrada ou sede das fazendas: os chamados Pistoleiros.
Os Pistoleiros consistem em
grupos de pessoas armadas que fazem a segurança dos fazendeiros, protegem as
terras que eles dominam, e resguardam os seus interesses, como em ameaças de
despejos a colonos que têm barracos em áreas adjacentes. Nota-se também uma
banalização da vida, visto que eles matam pessoas deliberadamente.
Neste contexto, vislumbra-se
a atuação policial, uma vez que, agora sim, os embates incorrem em crime. Porém,
o que se vê são deslizes de atribuição dos órgãos públicos federais, isentando-se
de sua parcela de responsabilidade diante das tensões existentes. No que diz
respeito aos órgãos públicos locais, são bastante inatuantes, quando não
praticam corrupção.
Por exemplo, a Polícia
Federal é o órgão que regula as atividades de Segurança Privada, como
transporte de valores, plano de segurança bancário, e exercício de vigilantes.
Logo, a pistolagem fere as atribuições reguladoras dessa instituição, já que
consiste, formalmente, em Segurança Privada Clandestina. Além disso, o fato de
essas atividades serem realizadas muitas vezes em terras públicas federais
envolve bens da União, tutelados pela Polícia Judiciária da União. Há também o
fato de essas pessoas atuarem em grupos, o que pode ser enquadrado na Lei 12.850,
de Organização Criminosa; e serem famosas pelo modus operandi, atentando contra os direitos humanos com
repercussão interestadual.
Não obstante, depara-se muito
com argumentos de que flagrantes desses tipos só podem ser tipificados em
ameaça ou vários portes ilegais de arma de fogo, transferindo a
responsabilidade de atuação para órgãos locais. Enfim, a miopia de não encarar
os acontecimentos diários como fenômenos sociais amplos, ou fragmentos de uma
articulação maior, ainda é um mal que caberá à História reduzir em nosso povo.
Enquanto isso, as mudanças imediatas são possíveis com apenas uma virtude:
Vontade.
Assim, entende-se que o
grande diferenciador que supre as lacunas das leis é a vontade das pessoas que vão
para essas regiões exercerem prerrogativas em órgãos de controle, fiscalização,
policial e judicial. Afinal, os representantes do governo são objetivamente a
“presença do Estado” que tanto é cobrada como propulsora da transformação
nessas regiões.
Lamentavelmente, o que muito
se vê são pessoas de ‘passagem’, sem se preocupar em promover mudança; ou amedrontadas
pela falta de aparato e possibilidade de perseguições, o que permite a
continuidade do sistema de poderio estabelecido. Enquanto a vontade de
trabalhar não se sobrepor aos poucos recursos que se tem, nada acontecerá. E
voltaremos para nossas casas sem ser lembrados. Esse é meu único medo!
Este
texto é em homenagem aos colegas de Altamira/PA, que padecem dessas restrições
de atuação mesmo com todo o gás impetrado na promoção da justiça, em especial
Renato Zavarez e Augusto Gabriel.