12 de maio de 2018

LEI E HONRA: VALORES DA JUSTIÇA


Que legitimidade um agente do estado tem ao tentar fazer justiça sem estar amparado pela legislação, honra e ética? Nenhuma. É o que mais se vê. Em certos cenários, você estuda muito para atingir um patamar que lhe permita promover justiça, mas vislumbra duas alternativas: a falta de aparato para combater o crime corretamente; ou a inatuação, enquanto assiste os classificados como guerreiros atropelando a moral em prol de uma pseudo ordem.
Particularmente, sou fã do Justiceiro e do que ele representa nas histórias de heróis. Paradoxalmente, também sou fã do Batman, que, ao contrário do primeiro, não acredita no derramamento de sangue como meio para a justiça. Descobri que gosto dos dois porque talvez eu seja indiferente aos meios utilizados pelos personagens. Preso pela moral e honra, e isso ambos tem, apesar dos métodos variáveis de cada um.
Contudo, isso é na ficção. Na vida real, a maioria dos métodos alternativos incorre em uma cascata de acontecimentos que perturbam a ordem social, gerando, inclusive, guerra civil. Exemplo disso é a situação da segurança pública no Rio de Janeiro e Belém. Concordo que a legislação brasileira é frágil, a Justiça é lenta e falha, mas parte da ineficácia da segurança pública está em como os policiais enxergam a polícia.
Transferem para a Justiça a responsabilidade de indivíduos perigosos estarem livres, ignorando a falha na instrução criminal para produção de provas robustas que é o que os manteriam presos. É a máxima “A polícia prende e a Justiça solta”. Mas em grande parte dos lugares a delegacia de polícia se resume apenas a flagrantes e registro de ocorrências.  O resultado disso é que grandes criminosos, como chefes de organizações criminosas, assaltantes de bancos, dentre outros, são detidos em um flagrante por porte ilegal de arma, por exemplo.
A partir disso, para suprir todo esse sistema falho, ignorando, principalmente, a necessidade de um novo modelo de polícia, o investimento em tecnologia, a utilização da Inteligência Policial, e o foco na produção de provas, os agentes da segurança deixam de ser policias e tornam-se soldados. Porém, ao contrário do Justiceiro e do mundo imaginário, os interesses pessoais se exaltam ao se verem apoiados no manto das instituições armadas, revelando grupos de extermínio, homicidas mediante recompensa, forjadores de flagrante, invasores de domicílio, praticantes de corrupção passiva e extorsões, milicianos. Enfim, todo tipo de vantagem indevida que se aproveita da sensação de justiça feita com as próprias mãos. Afinal, isso é mais fácil e rentável que trabalhar provas em uma investigação e receber o salário de um policial.
Neste contexto, percebe-se também que surge a relativização de que uns crimes devem ser combatidos (os praticados pela escória da sociedade) enquanto outros são uma mera consequência de um sistema imperfeito que, por isso, devem ser relevados (os praticados por representantes dos órgãos públicos). O irônico é que, não raro, estes aparecem em televisão, campanhas, audiências públicas, e outros, para debaterem a criminalidade da região e pensarem em alternativas para redução dos índices. Hipocrisia! Ao selecionarem os crimes que repudiam ou participarem dos que ignoram, não emanam esforços para a atuação sem segregação. Assim, colecionam ações sem valor moral para a comunidade, pois não há honra em atender interesse de uns grupos ou explorar a condição desfavorecida de outros. É dessa quebra de convenções éticas da sociedade que brota a falta de respeito à autoridade policial, alimentando cada vez mais a briga entre polícia e ladrão: represálias, ameaças, retaliações.
Portanto, a honra e valores éticos devem estar intimamente ligados à aplicação da Lei para a verdadeira promoção de Justiça. Apenas assim se alcançará a ordem, como um meio para a paz, e não como objeto do medo. Entretanto, infelizmente, ser honesto e combativo na atividade policial são dois atributos que às vezes parecem ser inversamente proporcional no sistema de segurança pública.  
Quer atuar como Justiceiro na vida real? Busque esse equilíbrio e se aproximará de ser um.

7 de abril de 2018

DICOTOMIA DO ESFORÇO - CONCURSEIROS E SERVIDORES

Apesar dos exemplos relacionados à esfera policial, 
este texto refere-se aos processos de Estado como um todo.

As atividades criminosas configuram articulações dinâmicas de interesses pessoais dos diversos agentes do crime. Por isso, para combate-las com efetividade, é preciso que também haja um raciocínio dinâmico e integrado dos principais membros que promovem a Justiça. O mesmo é necessário para atender demandas de cidadãos em qualquer repartição pública. Contudo, não é isso que se vê na maior parte dos casos.
Conceitua-se análise integrada como a capacidade de correlacionar dados esparsos para gerar um conhecimento novo, materializando essa construção em gráficos, vinculação de fatos, confronto de depoimentos e acontecimentos, avaliação histórica, imagens e outros. Na investigação criminal, isso é essencial não apenas para construir provas contra alguém, mas para encontrar alternativas processuais. Por exemplo, a instrução criminal exige um Inquérito Policial para o crime e seus indícios de autoria; contudo, há casos de indivíduos que cometem diversos crimes que não têm relação um com o outro. Frente a isso, se não houver um compromisso com a análise integrada, haverá procedimentos esparsos numa delegacia de polícia contra um mesmo indivíduo.
Além da burocracia que permeia o setor público, há que se falar da baixa predisposição e ausência de habilidade prática dos próprios servidores. Contraditoriamente, a falta deste quesito é inerente à exigência de estudo mecanizado imposto pelo concurso público, na qual o candidato é preciso submeter para obter a aprovação, demonstrando uma dicotomia da postura manifestada pelo indivíduo como concurseiro e como servidor.
Para destrinchar a problemática, colocarei uma experiência pessoal. Modéstia à parte, eu desenvolvo o meu trabalho como muitos não desenvolvem, mas eu não seria aprovado em muitos concursos que eles seriam. Não que eu não conseguiria, mas seria mais custoso, porque eu aplico análise integrada, raciocínio lógico, correlações de fatos e confronto de fontes como em pesquisas científicas com certa facilidade, mas tenho dificuldade de absorver conceitos, regras, leis e fórmulas prontas como são cobrados em concursos públicos. Percebe-se que a regra é o contrário, o que, ao meu ver, prejudica o resultado dos processos.
Em debate com um colega, ele disse: “o problema não está em você, mas no que é cobrado nos processos seletivos!” De fato, não sou pedagogo e não sei se estou errado, mas vestibulares e concursos não exigem capacidade de análise e pesquisa, mas sim regramentos e conceitos fragmentados. É por isso que o Brasil é fraco em desenvolvimento, tecnologia, falando sobre mercado; e fracassado na efetividade dos serviços públicos, falando de Estado. A máquina pública funciona por ela, e não pelas pessoas.
Outrossim, há no ambiente universitário a máxima de que dificilmente o “nerd” será o profissional de maior sucesso no mercado de trabalho. Atribuo isso ao fato de a inciativa privada exigir atributos como análise integrada, senso crítico, liderança, proatividade, empenho, tomada de decisão, empreendedorismo, para alavancar o profissional na carreira. Isso é totalmente ignorado no setor público, pois, quando não se esbarra nas indicações políticas e subjetivas, esbarra-se no concurso público de cargo superior.
Diante deste último, o servidor, para crescer na carreira, não pode direcionar seus esforços para o resultado e aprimoramento no trabalho, mas sim destoá-los para um novo projeto: ser aprovado em um concurso de cargo superior. Não raro, servidores públicos se encostam no trabalho ou até mesmo estudam nas repartições públicas para poderem se tornar chefes daqueles que exercem o trabalho com afinco, enaltecendo o nome do órgão, e ficando travados na carreira pelo concurso público de cargo superior.
É possível que estas sejam a causa de pessoas inteligentíssimas que compõem os quadros dos órgãos públicos serem tão inatuantes. Aparentemente, após inserir-se no setor público, toda a exigência do processo seletivo deixa de ser explorada pelos superiores, pela estrutura e pela própria pessoa. O concurso torna-se o fim, e não o início. O indivíduo estudava 10h por dia, mas não permanece 4h por dia na repartição pública. Não encara o serviço público como um desafio de mudança, afinal, a estrutura do Estado é gigantesca e conforme a Lei, tornando-se de difícil alteração. Na minha repartição, por exemplo, há um procedimento que pode ser feito em 10min e, ainda assim, exige-se 48h para ser entregue ao cidadão, e as pessoas aceitam simplesmente porque esse é o procedimento. Não! Tá errado. Temos que pensar, criticar, questionar, refletir.
Ademais, poucas pessoas assumem demandas complexas ou criam algo novo. Os papeis com informações simplórias, despachos, ofícios, remessas de solicitações e consequentes escusas, justificativas de falta de aparelhamento, declínio de atribuição, transitoriedade entre os órgãos, é o que pairam. Sem dinâmica, robustez, pensamento integrado, articulação ou acordo.  Apenas autos e procedimentos, como Inquéritos Policiais de 50 páginas sem informações sólidas sobre o crime, em processos penais de 7 anos, sem que ninguem se incomode com isso. A maioria das pessoas absorve fácil o conteúdo que chega a ela, mas é incapaz de apresentar um conteúdo novo para alguém – seja investigativo, processual, fiscalizatório, ostensivo ou administrativo – mesmo após aprovação em um concurso público difícil.
Esse cenário leva a pensar que qualquer comparação que se faça entre o salário e o resultado do trabalho da maioria dos servidores públicos é injusto. Injusto para o cidadão. É muito dinheiro para pouca complexidade e pouca solução, principalmente no que diz respeito à apuração de crime. Frequentemente, indago-me “Como esse indivíduo passou no concurso?”, “O indivíduo recebe R$30.000 para isso?”. Depois, volto atrás e percebo que a pessoa tem conhecimento para ser aprovada, mas trabalho é outra história. Logo, não há relação direta entre esses fatores; pelo contrário.
Talvez seja impossível avaliar essas habilidades em concurso público. Talvez a falta de capacidade prática é ocasionada pela ausência de incentivo, mecanismos de cobrança e ascensão de carreira para injetar essa preocupação nos servidores. Talvez também a análise integrada é desenvolvida pelo envolvimento com o trabalho, a paixão, a proatividade, o engajamento, e até mesmo a oportunidade. Talvez encostar-se na estabilidade seja da natureza humana. Enfim, não sei se é pessoal ou estrutural, mas sei que falta algo. E, por faltar, sinto que a estrutura do setor público não permite que eu contribua com a sociedade como eu poderia. Isso é triste!